quarta-feira, 11 de maio de 2011

Porque morri

Poesia catarse
Poesia catarse
Poesia catarse
Em branco,
Catástrofe

domingo, 30 de janeiro de 2011

É no meu corpo que te encontro
Sonho umbigo torto
É no meu poço que te bebo belo
Lirágua
Em pelo
Retrato
Da mágoa

domingo, 9 de janeiro de 2011

Os pés podem

c
a
i
r,

Dizem os velhos,
Se dançares

Ah, são tantos
Maus conselhos
Calcanhares
Nessas bocas
Engolidas
Nessa vida
Tantas mortes
Nessas palmas
Que não há de ser revés
Se ao invés de tua alma
Só perderes os teus pés

Ah, não temes, minha criança
O amor o sonho a valsa
E descalça
A amargura:
Dança.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Conto Puro

            Era Ângela a filha de um homem que não existia mais, nem na memória – fruto de uma noite regada à cachaça em excesso. Recôndita e inexoravelmente má desde a ignorância animal dos recém-nascidos, ou talvez sábia demais, causou a morte prematura de sua mãe. Herdou, de sua pobre progenitora, uma agulha de crochê. Acolhida por sua tia Madame, mui cedo tornou-se mulher – da vida, sempre fora.
            Tinha alma para os negócios, mas nem tanto para as finanças. Descobriu que o maior prejuízo dos que perdiam a dignidade (porque a deixavam escapar e punham a culpa num viajante com a barba por fazer) era a carência. Supri-lo, portanto, encurtava o caminho para o poder e valia muito mais do que a lei do mais forte. Percebeu que um ombro onde outros poderiam chorar era moeda de troca valiosíssima, e Ângela dispunha o seu às colegas como dispunha o resto do corpo a seus clientes.
            Sendo confidente de todas as mocinhas pouco virtuosas que com ela labutavam, não se surpreendeu quando Anne Louise – belíssima e imbecilíssima – confessou-lhe que esperava uma criança. A bem da verdade, não esperava: desesperava-se por livrar-se dela. Fleumática como de costume, Ângela resolveu o problema com muito prazer e sem nenhuma agressividade no manejo de sua única herança, embora Anne tenha sido acometida por uma febre que quase a levou ao túmulo dias mais tarde (mas antes a morte, mil vezes a morte!). Não lhe cobrou muito: meio vidro de um perfume falsificado pareceu-lhe suficiente. O pagamento foi simbólico: A jovem prostituta, na verdade, sentira-se pela primeira vez útil – arrancara das entranhas da outra uma erva daninha.
            Tão logo se espalhou a notícia (Lou não se pôde conter), novos pedidos desesperados surgiram. Solícita como lhe mandava a criação, Ângela atendia a todos, sempre grata pela oportunidade de cortar o mal pela raiz.
            Nem a sua fama de cirurgiã, todavia, poderia livrar-lhe de vender-se – e nem interessava a ela desistir da profissão que sempre exercera com muito gosto. Assim, em uma madrugada de gim nacional e corpetes de cetim, conheceu a sua desgraça. Não se deitou com ele naquele instante – estava ocupada – mas ao pousar o olhar na expressão mordaz e no corpo magro do cavalheiro, tomou-a uma euforia maior do que a causada pelo excesso da bebida ao qual já estava acostumada e, a despeito da loucura, sentiu-se distante do seu mundo de fantasia – alguma urgência desconhecida e real demais adensava-se dentro dela. Desejo, sim, mas não só desejo. Subia ao patíbulo, mas não foi capaz de notá-lo.
            Foi num entardecer cinza-claro que tornou a encontrar seu bem-amado – ele havia retornado àquele antro somente por ela. Do crepúsculo à aurora, nada fizeram além de, e exauridos de paixão, adormeceram abraçados enquanto os honestos acordavam.
Ângela despertou com um movimento inesperado de seu homem no sono. Contudo, toda a mágica da noite anterior desapareceu quando suas pálpebras se levantaram: Não encontrou no rosto dele as feições cruéis da primeira vez que o viu, mas os traços brandos de um menino adormecido. Aterrorizada pela visão daquilo que sempre lhe causara ojeriza, não hesitou ao alcançar sua preciosa agulha e enterrá-la no pescoço do amante, que tremeu e sangrou e arfou sem conseguir comovê-la até, finalmente, cair inerte – desta vez para sempre. Serena, sereníssima, ela dirigiu-se à janela. Caiu muda e morreu com três vigas de madeiras que lhe atravessaram o ventre, o semblante satisfeito de quem nem ao menos sentiu vertigens.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Toda vez que escuto algo dito brilhante, sinto vontade de gargalhar. Se ao menos eu fosse como os que confundem felicidade com euforia. Se ao menos eu fosse capaz de acreditar que as palavras traduzem pensamentos ao invés de escondê-los. Ou se pudesse fechar os olhos para a angústia vazia de quem não consegue compreender bem o mundo por mergulhar fundo demais nele. Não que fosse encontrar, a partir disso, alguma solução – aliás, cheguei a definir qual era o problema? O tempo não passa, eu passo pelo tempo e não sei caminhar em outra direção. Sinto-me como um rato enlouquecido que rói a própria cauda e se arrebenta contra as grades da ratoeira. Persigo o inatingível infatigavelmente enquanto tentam me convencer de que tudo de que preciso é um bom tóxico.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

            Não consigo mais parar para pensar no que deveria. Queria morrer uns tempos e voltar reparada. Aquela morte de acidente, em que a cabeça não é achada e se deteriora com a ação da natureza. O resto vai para o forno. Tudo muito bem higiênico.
            Fantasiar a morte denota um devaneio de grandeza, diria Freud. Não sei, li Freud meio por cima. Mas talvez seja verdade – estou me sentindo meio pequena. Como aqueles que se supõem incapazes de evoluir. Como quem encontra A Grande Conclusão (não há conclusões), como um niilista de boteco. Talvez seja porque perdi o imediato. Porque esteja vivendo só de passado e futuro. Vivendo em stand by.
            Vejo a lua da janela do meu quarto. Poderia ser romântico e bobo se você estivesse aqui. Ou quem sabe não estivéssemos nem um pouquinho interessados em ver a lua. Quem sabe? Quem sabe a minha mesquinhez não seja sonhar com você como uma adolescente, meu querido. Muito mais provável é que minha mania de negação tenha-me tornado tão petulante. E a minha mania de transgredir seja precursora de todos os meus conflitos, da vontade que tenho de lhe dizer o que não posso.  

domingo, 5 de dezembro de 2010

Esca(l)pe-lamento

          Eu queria abrir a sua cabeça e puxar a sua massa encefálica com uma agulha de crochê. Só porque pendo mesmo para a truculência. Nada pessoal.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

       Não quero reabilitar as imbecilidades românticas, não se trata disso. Porém, como tudo o que sou é derivado das minhas antíteses, digo que talvez eu não tenha perdido o coração, mas guardado-o bem protegido - o contrário jamais seria prudente. Às vezes, entretanto, esses lirismos baratos, essas cenas que parecem ter sido tiradas de um filme ruim, esses sonhos inverossímeis que insistem em ser rememorados (porque insistem) simplesmente se revelam como uma parte minha que não posso extirpar. Gostaria, talvez. Só que não posso. Vivo e temo a morte pois sei que ela está à espreita. Temo covardemente o julgamento alheio, e temo o mau uso da palavra, mas não posso deixar de escrever. Temo perder, sofrer, mas não posso deixar de sentir. 

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Do Otimismo

- Que bom, agora posso me atirar do abismo com a certeza de não me espatifar. Escaparei voando.

Das Conclusões

- Hoje acordei e percebi que estava morta.

Dos Golpes Baixos

- Eu queria te abortar, mas teu pai não deixou.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Considerações II

- Você sabe, chéri - acendeu um cigarro - não há como ser platônico depois de uma trepada homérica.

domingo, 28 de novembro de 2010

Considerações

- Se você for você mesma o tempo todo, ele jamais vai ter peito para cortejá-la.
- Interessante. Bem, eu não quero me envolver com um covarde.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Fragmento

Estranhíssimo: eu conseguia perdoá-la por ter um amante, meu pai também fora infiel no casamento e, mesmo que eu preferisse não saber de seus desvios, com medo da sensação de desamparo que eles me traziam, sabia que eles não haviam sido os primeiros e estavam longe de serem os últimos a romper com suas ditas obrigações maritais. Sabia também que a decisão de meu pai por uma separação era improvável, pois ele tinha exatamente tudo o que queria: uma mulher bela e facilmente dominável, cujos protestos podiam ser calados com jóias, e mais quatro ou cinco namoradinhas para distraírem-no com seus corpos jovens, risos graciosos e sua leviandade encantadora.
Era considerado um homem de bem, um bom profissional e ainda conseguia aparentar ter mais dinheiro do que efetivamente possuía. Já mamãe, sufocada por regras, tratada como uma criança incapaz ou como uma louca, pouco tinha a perder. Contudo, conhecendo-a como eu a conhecia, temia seu bovarismo ingênuo e onde ele culminaria: o último bem que lhe restava era a esperança, e eu desconfiava que, se esta morresse, ela também definharia.
Considerava injusta a peça que o destino pregara em ambos: Ele, por fazê-la acreditar que não passava de uma mulher delicada e eternamente romântica, sem discernimento da realidade, seria deixado por ela exatamente por isso. E ela, tardiamente sonhadora, incendiaria a vida imbecil que tivera sem saber como construir outra. Mimada como era, não tinha noção dos riscos que corria.
Era claro, portanto, que ela pagaria por seus erros, que estava fadada à decepção. O que eu não conseguia tolerar, mesmo, é que ela quisesse me arrastar junto para o lago de equívocos onde se afogava no raso – e que tivesse poder para isto, por mais idiota que fosse.
Pela primeira vez em muito tempo, pensei no futuro. Não consegui achar nenhuma promessa importante, nenhuma expectativa. Mas viver do meu jeito era um bom engano. Não queria ser como a minha mãe.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Refuto o passado
                        presente
Sem passado e sem presença
                        guardado
                        latente
Oscilo, oscilo
                        intensa
                        fremente
Nem sei se te sei
Ou se te crio

Se te desenho nos meus lençóis
                      máscara atroz,
                      será que te amei?



De ontem só lembro
Que estavas calado

 (Mas antes calado
            permanecesses!
            Antes morresses
            Em meu seio aninhado)

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Projeto Vértebra - Uma série de colunas

             Em parceria com um amigo muito querido e competente (Francisco Mallmann, do http://www.strongconviction.blogspot.com/ ), dou início, hoje, a um novo blog, com propósito um pouco diferente deste. Continuarei a postar aqui, pois ambos são, de certa forma, complementares. Abaixo, um resumo de nosso projeto:

          
Não viemos para lhe contar onde lhe doem os ossos – supomos, ilustre (?) leitor, que você já o sabe. Não viemos para sustentar corpos sem espírito, para fazer a dignidade de qualquer bípede (antes pô-la em xeque). Viemos pelos pontos finais que em conjunto se tornam reticências, não de dúvida, mas de continuidade. Viemos pelas contradições que levam a conclusões. Procuraremos evitar os exageros românticos (para tais distrações aprazíveis, visitem os seguintes endereços: www.moezbert.blogspot.com / www.strongconviction.blogspot.com). Tampouco temos a finalidade de endireitar essa espinha tão torta que é a humanidade (a primeira bandeira que levantamos é a do combate ao autoengano). E não pretendemos seguir com regularidade a pernosticidade de nossa introdução (a empáfia não é exatamente causadora de empatia, embora se faça necessária num primeiro momento). A falta de esforço para obter simpatia inicial significa apenas que sabemos bem qual não é o nosso objetivo (embora seja uma conseqüência bem-vinda): Agradar. Isso declarado, podemos começar nossa descompromissada tarefa de protesto.

 Lucia M. Ghaendt-Möezbert e Francisco Mallmann

O Homem-Livro

           Acordou um dia prensado entre as páginas doze e treze de um exemplar antigo, como uma flor seca. Ao menos não era um inseto, pensou, enquanto notava tatuados em si trechos que não eram seus. Curioso o alento proporcionado pela impossibilidade de escape, pelo calor entre papel e papel – talvez o único aconchego que bastasse àquele homem triste. Acostumou-se cedo à sua nova condição e descobriu que não gostava de viver à margem.
            Tentou fazer de travesseiro um pê, de política, mas lhe pareceu tolice perder a riqueza que o cercava pelo encanto de noções mal-aplicadas. Tentou compreender a vastidão daqueles parágrafos que progrediam lentos e sábios, mas não foi capaz de acompanhá-los e, como Brás Cubas, não teve sucesso em seus projetos. Por acaso descobriu – vagando entre um aposto e outro – que todo homem é o homem todo, como bem versava Sartre, porém já não compreendia direito o que era ser humano (ou, quem sabe, houvesse parado ali justamente porque jamais aprendera o que se nasce sabendo). Pois a mesma riqueza que lhe abrira os olhos pôs-lhe uma venda, de forma que ele nunca visse, notasse, abstraísse a existência de um outro indivíduo completo, invalidando, assim, toda informação que obtivera.
            Quando, por mero acaso, abriram o livro justamente no capítulo em que ele se encontrava, assustou-se. Não reconheceu os olhos que percorriam lá de fora suas linhas. Considerou-os indecentes, ignóbeis. Os olhos de um apedeuta curioso, que certamente não era digno de folheá-lo. Mas, por haver adquirido algo de aventureiro, acabou resolvendo testar a companhia indesejada. Levou-a às páginas mais surpreendentes, observou suas notas de rodapé sem muita atenção, prendeu-a entre construções incompreensíveis e até se mostrou em branco.
            Só voltou a temer quando, inocentemente, resolveram sublinhá-lo. Aquilo era inadmissível! Decidiu desaparecer. Preferia morar no epílogo.

domingo, 21 de novembro de 2010

Um pouco de poesia e o aviso de que o blog está em reforma (:



             Procuro, quem sabe
             Perder o interrogativo ponto final
             Dos des(a)tinos

                         Como podes me querer bem
                                              se és tão mau?





segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Comentário



Pregam os anacrônicos anafroditas
Finjo escutar (se não houvesse mentira, não haveria arte)
E, covardias à parte,
Quando se encerra o falario
Meu branco no preto é púrpuro
Como a loucura que uma vez já lhes sorriu


quinta-feira, 11 de novembro de 2010

             Sabia bem que não se resumiam a dois corpos suarentos. Sabia? Como era bom perceber que ele nunca pudera perdoar-lhe o gênero (e duvidava muito que algum dia houvesse tentado), ao menos enquanto o arrebatamento era tanto que nada restava a não ser fitar a tatuagem feia em suas costas, seus braços firmes que se esticavam em direção à cabeceira buscando um cigarro. E pensar que tudo começara por causa de um isqueiro. E pensar que dissera jamais. Por que tão quieta?, ele perguntava constantemente, já procurando novamente enlaçá-la, forçando sua perna entre as dela, ansioso, ávido. Ainda bem. Dessa forma, atinha-se muito pouco a buscar respostas para o silêncio. Bastava que ele fosse suprimido por gemidos e suspiros. Não que não se importasse. Pelo contrário. Beijava-lhe as cicatrizes cuja história desconhecia. Vou cuidar de você, minha linda. Perdidos no limite entre realidade e fantasia, abraçavam-se.
            Quanto às discussões? Não existiam. Ele preferia dizer que respeitava a opinião dela. Nunca se enfrentaram. Não valia a pena. Ela vituperava suas atitudes de pequeno burguês, sua vida social repleta de presenças desprezíveis, sua falta de espírito público, rejeitava seus valores comuns, mas não se retesava ao toque do antigo inimigo. Ao invés disso, entregava-se, abria-se, pedia, prendia-o em si contraindo as coxas e gozava com raiva porque não era capaz de meramente usá-lo. Absorta pela satisfação culposa de quem perde o orgulho, caía no vazio da quietude com a qual ele fingia se incomodar. Tornava-se, pouco a pouco, parte das posses que ele considerava essenciais. E ele despejava mais vinho nas taças, mais risos suaves em seu ouvido, mais, mais, tantas coisas mais. Possuía-a na palma das mãos, nos olhos e no bolso da calça, embora nem ao menos a conhecesse.
            Pelas razões que só um homem assim poderia compreender, sentiu, depois de passados alguns meses, que era tempo de visitar uma joalheria. Fê-lo com a tranqüilidade de quem prevê um retorno certo ao investimento, mas, como qualquer um faria num momento como aquele, não se esqueceu de se ajoelhar, de se exaltar. E ela, como qualquer outra (veja bem, como qualquer outra) reagiria, disse que sim, os olhos úmidos de surpresa.
            Na manhã seguinte, encontraram-na morta, esparramada na diagonal da cama, branca como a ira (sim, a ira), nua como uma noite sem estrelas. No estômago, além de doses letais de Zoloft e Daforin, um anel de brilhantes da H. Stern.